O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NOS CONTRATOS PARTICULARES DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTOS SOB INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA
Imaginemos a seguinte situação: determinado sujeito adquire um apartamento, na planta, e logo após se arrepende. O que se pode fazer?
De início, faz-se jus tecer alguns apontamentos e informar ao leitor, que a intenção do presente estudo não é aprofundar o assunto, nem trazer muitas informações de ordem técnica, mas meramente elucidar de forma clara e breve algumas possíveis dúvidas que possam surgir no momento de concretizar um determinado negócio.
Como se sabe, os empreendimentos imobiliários demandam grandes investimentos e tempo para sua concretização. Na maioria das vezes, a negociação das unidades postas à venda se dá por meio de contratos de longo prazo, com o seu valor diluído em inúmeras prestações e reforços periódicos, sendo a estabilidade contratual imprescindível para a realização e entrega efetiva das obras, da forma como acordado. A possibilidade de arrependimento da aquisição, destarte, não condiz com a natureza desse negócio jurídico, que exige segurança para garantir a contraprestação necessária à conclusão do empreendimento prometido.
Nesse ponto, há de se refletir: qual seria a segurança jurídica e o incentivo do empreendedor, que se dispõe a realizar uma construção, sujeito a todos os riscos, empregando uma enorme quantia de tempo, esforço e dinheiro, se, a qualquer momento, os adquirentes das unidades alienadas pudessem se arrepender e desistir do contrato firmado, sem maiores obrigações?
Pois bem, antes de abordar a questão principal, cabe mencionar, que a transferência de bens imóveis se dá, efetivamente, por meio do registro do instrumento de contrato, assinado pelas partes, no registro de imóveis da circunscrição em que o imóvel esteja localizado. Este instrumento, por seu turno, pode tanto ser particular, como público, a depender do valor do imóvel. No caso de imóveis com valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, a legislação civil (art. 108) exige a escritura pública, a ser confeccionada por qualquer tabelionato de notas, à escolha dos interessados, como instrumento que formaliza o negócio encetado.
No entanto, tendo em vista o vultuoso investimento desses contratos – e da infinita maioria dos contratos que envolvem bens imóveis -, que superam o limite de 30 (trinta) salários mínimos, ora mencionado, o que acontece, na prática, é o seguinte: formaliza-se o negócio por meio de um instrumento particular de promessa de compra e venda, em que se estabelece o compromisso das partes em formalizar a futura escritura pública, assim que exauridas todas as obrigações pactuadas. Após cumpridos todos os ajustes, satisfeitas todas as prestações devidas, com a respectiva quitação fornecida pelo vendedor, e pago o imposto de transmissão, poderá ser lavrado o consequente contrato público, pelo tabelião de notas de escolha do interessado, que será apto a ingressar no registro imobiliário, para tornar efetiva, pública e autêntica a transferência da propriedade do imóvel para o comprador.
Introduzido o tema e retomando-se a questão principal, o que aconteceria se o arrependido adquirente de um apartamento, sob incorporação imobiliária, não quisesse mais comprar o imóvel?
Na regra geral dos contratos privados, o Código Civil (art. 1.088 c/c art. 1.095) possibilita que os contratantes estipulem o direito de se arrepender do negócio realizado, pagando-se os prejuízos que resultarem do arrependimento, além do sinal eventualmente pactuado entre as partes.
Doutra feita, no caso da negociação de apartamentos em condomínio edilícios, diante dos motivos expostos acima, a legislação específica (Lei n. 4.591/64) determina, de forma clara, em seu artigo 32, § 2º, que esses compromissos particulares são irretratáveis, não se permitindo o ajuste do direito de arrependimento pelas partes. Dessa forma, em caso de uma das partes optar por extinguir o contrato ou mesmo descumprir as obrigações pactuadas, ter-se-á o que se chama de distrato/resilição ou resolução contratual, respectivamente, com as consequências respectivas para a parte que der causa à extinção do negócio.
Nessa circunstância, ressalta-se que, apesar de a Lei 4.591/64 estabelecer a irretratabilidade desses contratos e o dever de o contratante responsável pela sua extinção arcar com as consequências, o Código Consumerista (art. 53), com o intuito de evitar o enriquecimento ilícito do credor/vendedor, determina que, na compra e venda de imóveis à prestação, é nula toda e qualquer cláusula contratual que preveja a perda total dos valores já eventualmente pagos em benefício do credor. Assim, podem e devem ser abatidos todos os danos sofridos pelo alienante, bem como juros e multas contratuais, sem, contudo, ser possível a privação total das parcelas já quitadas.
O regramento específico de condomínios especiais de apartamentos, entretanto, sofreu uma interessante alteração no final do ano de 2018, com a Lei 13.786/18, que alterou a Lei de Condomínio Edilício (Lei 4.591/64). A nova legislação introduziu a possibilidade da cláusula de arrependimento nos contratos particulares de compromisso de compra e venda de unidades autônomas em condomínios edilícios sob incorporação imobiliária, ou seja, contratos particulares de compromisso de compra e venda de apartamentos ainda na planta. Trata-se, em verdade, de uma específica possibilidade de retratabilidade do negócio, sem qualquer obrigação à parte que der causa, quando realizado em estandes de vendas e fora do estabelecimento do incorporador, no prazo improrrogável de 07 (sete) dias. Nessa situação, o adquirente tem o direito à devolução integral dos valores eventualmente já pagos, inclusive do valor referente à comissão de corretagem, conforme fixa o § 10º do art. 67-A da Lei 4.591/64, inserido pela nova regra. A presente alteração tem por fundamento a norma do art. 49 do Código do Consumidor, que prevê o direito de o consumidor se arrepender e desistir do contrato, no prazo de 07 (sete) dias, sempre que a compra se realizar fora do estabelecimento comercial, sendo devida a integral restituição das quantias pagas.
Por outro lado, de acordo com o novo regramento, caso não pactuado o direito de arrependimento ou superado o prazo previsto na Lei para o seu exercício, no caso de desfeita a transação, seja por distrato, seja por inadimplemento total pelo adquirente, a mesma Lei 13.786/18 trouxe as consequências específicas a serem suportadas pelo promitente comprador que deu causa ao fim do contrato.
Desfeito o negócio irretratável, porquanto, faz-se devida a devolução, pelo vendedor, dos valores atualizados que já lhe foram efetivamente pagos, podendo, contudo, ser cumulativamente abatidas as quantias relativas:
a) à integralidade da comissão de corretagem;
b) à multa convencional, eventualmente estipulada, limitada a 25% (50%, caso haja patrimônio de afetação), do valor já pago.
E, por fim, em razão do tempo em que o imóvel esteve disponibilizado para o adquirente, poderão, ainda, ser deduzidos os valores referentes:
c) aos impostos incidentes sobre o imóvel;
d) às despesas condominiais;
e) à fruição do imóvel (a título de locação), limitado a 0,5% sobre o valor atualizado do contrato, proporcionalmente por dia de disponibilização;
f) a demais encargos e despesas relativos ao imóvel e ao contrato.
Como se vê, trata-se de um tema com algumas especificidades que, muitas vezes, não chegam ao conhecimento ou mesmo dificultam a compreensão dos consumidores. Diante disso, com essa abordagem, longe de se querer exaurir todas os detalhes e as diversas discussões jurídicas, buscou-se trazer um pouco mais de clareza e, de certa forma, simplificar uma situação de grande relevância no nosso cotidiano.
Lucas Guilherme Duncka
Especialista em Direito Notarial e Registral e em Registros Públicos. Mestrando em Ciências Jurídicas.